O que você pensa quando acorda?
A pessoa que, durante a infância, acordava na hora do capeta para assistir crianças desesperadas fugindo de monstros...
Eu sempre acordo ansiosa.
Um milhão de terapeutas já tentaram solucionar esse problema, nenhum deles teve sucesso, mas todos me perguntaram o que eu penso quando acordo. Eu nunca soube responder. Quem sabe o que pensa quando acorda? Você sabe?
Eu não sei o que eu penso, mas eu sei o que eu sinto. Eu sinto medo. Tem criança que tem medo de dormir, tem até adulto que tem medo ou dificuldade pra dormir. Eu também tenho, mas o desejo de dormir é maior do que qualquer coisa. Porque meu maior medo é acordar.
Talvez seja essa a resposta, eu desperto com medo porque eu tenho que acordar quando tudo que eu queria era dormir pra sempre. Quando eu durmo eu fujo do mundo, eu me escondo, nada de ruim acontece quando eu estou dormindo. Nem pesadelos eu tenho porque não sonho. Acho que minha alma meio que desistiu de ter qualquer tipo de esperança, então pra quê sonhar?
Você pode pensar que isso é uma doença, só querer dormir é sintoma de depressão. Como posso estar em depressão tomando mil gramas de desvenlafaxina? Entenda, não é que eu não queira viver, eu só não quero sentir tanta angústia, tanto pavor, e o único momento do dia em que não me sinto ansiosa é quando estou dormindo.
Os terapeutas já pensaram na possibilidade de trauma, pois tive um trabalho que me dava crises de pânico e eu tinha que acordar muito cedo para ir pra lá. Sempre despertava ansiosa porque sabia que seria estressante. Bournout que chama?
Também tem a minha filha, que nunca dormia e ainda tem dificuldade pra pegar no sono. Quem não classifica a maternidade como um trauma ou não faz direito ou é privilegiada, sim! Além do fato de que eu tenho fobia de doença, e parece que a criança sabe disso e sadicamente sempre me acorda com a notícia de uma dor de ouvido, ou vontade de vomitar. O que me leva ao provável primeiro pensamento que os terapeutas querem tanto saber e que me faz acordar apavorada toda santa manhã: vai acontecer alguma merda.
É como acordar sabendo que abrir os olhos equivale a abrir a porta errada daquele quadro do Sergio Mallandro, “a porta dos desesperados”. Você não sabe se vai dar de cara com um presente ou com um monstro.
E falando em trauma, ao pesquisar sobre esse quadro do apresentador dos anos oitenta, descobri que o programa matinal se chamava “Oradukapeta”. A pessoa que, durante a infância, acordava na hora do capeta para assistir crianças desesperadas fugindo de monstros que a perseguem pelo palco, só pode mesmo ficar traumatizada.
Como eu sou uma fugitiva crônica, sempre corro da luta e me escondo do predador ao invés de vencê-lo, tudo o que eu quero é me esconder e ficar bem protegida no meu sono inconsciente e alienado. Eu tenho medo de acordar porque eu não quero enfrentar a vida, lutar com esses monstros diários que o capitalismo nos impõe…
“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
Grande Sertão: Veredas
Eu sei, você vai me dizer “mas e as coisas boas da vida, e o presente que pode estar atrás dessa porta de desespero?” E eu não tenho resposta pra essa pergunta. Talvez eu não tenha recebido muitos, ou eles não foram tão marcantes quanto os monstros que me assustaram (o cérebro tem a tendência de guardar mais as memórias ruins, pra nos proteger). Acho que talvez eu precise trocar de programar infantil matinal dos anos oitenta. Colocar um pouco mais de Show da Xuxa na minha vida, uma Tv globinho talvez…
Mas agora é tarde, já cresci e minha realidade está mais pra jornal da globo ou cidade alerta… Minha única válvula de escape tem sido a Tarde é sua com Sonia Abrão, pra você ver que cheguei mesmo no fundo do poço. Quem vai querer abrir os olhos pra assistir esse tipo de coisa?
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Aqui está uma newsletter que eu descobri recentemente e pela qual já me apaixonei completamente!
FILMES E SÉRIES
Não assisti nada. Então, deixo a dica desse vídeo do youtube que fala sobre ansiedade e que me ajudou bastante.
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SUSAN SONTAG - Entrevista completa para a revista Rolling Stone
Essa leitura é muito gostosa, é como se você estivesse ali na sala em que esses dois estão conversando, ouvindo e concordando com a cabeça. Minhas impressões estão aqui no meu diário de leitura.
quando o despertador toca, eu só consigo pensar que gostaria de mais uns minutinhos…
Fiquei tão impactada com a forma como você descreveu a vontade de só dormir e o medo de acordar. Deu pra sentir um pouco da sua angústia. Obrigada por compartilhar algo que imagino ser bem difícil para você. Espero que você consiga, de alguma forma, acordar sem se sentir ansiosa.