Eu sofro da Síndrome de boazinha, aquela criança que era o sonho dos professores e o orgulho dos pais. Educada para nunca desobedecer ou desagradar ninguém, destinada a fazer a felicidade de psicólogos, psiquiatras e toda a indústria farmacêutica.
A melhor aluna da sala, garantia de um futuro promissor, que hoje nem consegue ser uma boa dona de casa, quiçá se livrar do transtorno de ansiedade e depressão.
Essa pobre senhora que ainda não sabe reclamar se o pedido no restaurante vem errado, que é incapaz de recusar um convite sem inventar uma desculpa esfarrapada e constrangedora, que prefere ferir os próprios olhos com uma lapiseira 0.5 do que deixar alguém chateado ou triste.
Que nunca foi capaz de dizer não, nem mesmo discordar de alguém, por mais contrária às suas opiniões que fossem as afirmativas da outra pessoa.
Aquela para quem decepcionar alguém significa automaticamente deixar de ser amada, o que lhe é tão doloroso quanto ter sua unha encravada pisada durante um show da Cláudia Leitte numa festa do Elon Musk.
Portanto, sempre concordou com tudo, permitiu tudo, disse sim a tudo e a todos, mesmo que isso a machucasse profundamente.
Essa sou eu.
Experimentando a maldade
Li ou ouvi em algum lugar que, conforme envelhecemos, vamos perdendo a vergonha e alguns filtros sociais. Por isso aquele seu tio faz aquelas piadas constrangedoras, e alguns velhinhos são desbocados — às vezes de forma engraçada, outras vezes apenas desagradáveis. Isso acontece devido à diminuição da atividade de uma parte do cérebro que, durante a adolescência, fica bem ativa, mas com o tempo vai se tornando menos funcional. É essa a razão de os jovens se preocuparem tanto com a opinião alheia, enquanto os idosos não estão nem aí. (fonte: uma vaga memória minha)
Acredito que estou entrando nessa fase. Hoje me sinto um pouco mais livre para expressar minhas verdadeiras opiniões e deixar claro o que eu quero ou não quero. Tenho percebido que isso é muito bom. Mesmo que, para alguns, eu possa parecer rude, ser autêntica é extremamente libertador.
Pequenas maldades, sem grandes consequências
A seguir, algumas situações em que dei minha opinião sincera ou disse “não” para alguém, e, para minha surpresa, ninguém passou a me odiar nem tentou me dar um soco na cara:
Uma vez, um conhecido fez um suco delicioso e colocou numa garrafinha para eu levar para casa. Pouco depois, a filha de uma colega veio dizer que adorava suco de acerola e perguntou se eu poderia dar a garrafinha para ela. Eu respondi que não, que o suco era meu. Veja só que “bruxa má” eu fui: recusei um suco para uma criança! Mas a verdade é que eu queria muito aquele suco. A menina não ia morrer por causa disso, e eu sentia que tinha direito de beber algo que me deram. Admito que, na minha cabeça, isso parecia terrível. No entanto, a menina ficou tranquila, e, se a mãe dela ficou revoltada, paciência. No fim, saí daquela situação com uma inesperada sensação de ter me respeitado.
Outra situação curiosa foi com uma vizinha que, sabendo que eu adoro ler, me ofereceu um livro que já havia terminado. Era um livro espírita. Nada contra, mas não faz meu estilo de leitura. Agradeci educadamente e disse que já tinha muita coisa na fila para ler e preferia não aceitar. Notei que ela ficou meio emburrada, talvez até irritada. Mas eu me senti muito bem por não ter que fingir interesse ou, pior, ler um livro que não me atraía.
Admito que situações como essas já foram bem difíceis para mim — e ainda são, na maioria das vezes. Mas sinto que estou aprendendo a me impor e, paradoxalmente, isso tem até melhorado meu relacionamento com as pessoas. Ainda assim, não se iludam: se eu fosse listar todas as vezes em que sacrifiquei até minha saúde para agradar os outros, esta newsletter seria mais longa que a duração do Big Brother no Brasil (já deu, né?! Até o Boninho já desistiu. Chega!).
Depósito de Dicas
NEWSLETTERS
Falando sobre ser autêntico, a indicação de leitura dessa semana é a newsletter da May, uma das minhas preferidas! Enjoy!!!
FILMES E SÉRIES
Eu estava procurando um romance pra assistir na Netflix e dei de cara com essa produção Turca. É um dos filmes mais bobos que eu já vi na vida, mas é muito gostosinho. Não é nem de longe nenhuma obra de arte mas é muito satisfatório, cheio de clichês românticos, engraçado e infantil. O que encaixou certinho com a minha imaturidade e necessidade de conforto.
É tipo uma mistura de O diabo veste Prada com 50 tons de cinza, sem o BDSM e feitos pela Larissa Manoela. Mas é legal, confia!
LIVROS
UM ANTROPÓLOGO EM MARTE- Oliver Sacks
Uma leitura sobre pessoas com condições neurológicas diferenciadas que aceitaram essa diferença e vivem a vida da melhor forma possível.
Saiba mais sobre o livro no meu diário de leitura.
Obrigada por ler Depósito de neuroses.
Me identifico um pouco, pois sempre fui condicionada a ser boazinha. Me diziam que, se eu fizesse as coisas pelas pessoas, elas fariam as coisas por mim também. Logo percebi que isso é, na maioria das vezes, mentira, que essa via de mão dupla não existe. Entretanto, demorei para aprender a dizer não, só me revoltava silenciosamente enquanto por fora dizia sim. Hoje, sei dizer não, por mais que às vezes eu me incomode com a reação das pessoas — mas tudo bem, também: esses incômodos fazem parte da vida, assim como decepcionar as pessoas. O importante é lembrar que está tudo bem e seguir com a vida.
Também não é como se eu não fizesse mais nada pelas pessoas: tem situações em que eu quero fazer as coisas para determinada pessoa por gostar dela e querer fazer um agrado.
Engraçado você mencionar livros espíritas, pois minha avó era espírita e também queria que eu lesse livros dessa temática. Estava longe de ser meu gênero favorito, então eu ou lia a duras penas, ou começava e abandonava ou deixava na minha cabeceira por eras, só procrastinando (e minha avó me cobrando para ler). Na primeira vez em que enfim fui sincera e falei que não ia ler, ela achou ruim, mas depois nunca mais ofereceu (provavelmente julgou que eu era um caso perdido, rs).
Enfim, parabéns pelas vezes em que disse não. Parece algo simples, mas para as boazinhas é uma grande conquista!
Tão bom nos priorizar e aprender a falar o que queremos!